Published On: 26 Maggio 2015Categories: Babele

afonso da fonsecaEstética fenomenológico existencial hermenêutica experimental, performática, per(form)ativa, em gestalt terapia e em psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial

Di Afonso H Lisboa da Fonseca, psicólogo.

Não conheço ópticas mais separadas do que a do artista que observa a elaboração de sua obra (quer dizer, se observa a ele próprio) com o olhar de uma testemunha; e a do artista ‘que esquece o mundo’: este esquecimento é a essência de qualquer arte monólogo; a arte monólogo assenta no esquecimento, a arte monólogo é a música do esquecimento.”“.

F. Nietzsche. A Gaia Ciência.

… faça o que eu digo
faça o que eu faço
aja duas vezes antes de pensar

(in Bom Conselho. Chico Buarque de Hollanda)

A especificidade do logos metódico da Gestalt Terapia, e a sua contribuição para a psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial, — e para a psicologia e psicoterapia, de um modo geral — ,é, em grande parte, a do desenvolvimento experimental, e a experimentação do valor da psicologia e da psicoterapia de uma estética da existência, como condição metódica para a vivência estésica, per-form-ativa, de atualização fenomenológico existencial de possibilidades por parte do cliente. A Gestalt Terapia, constitui-se, experimentou, e experimenta-se, assim, como uma estética performática experimental da existência. Ou seja, a Gestalt Terapia entendeu o radical valor existencial deste modo de ser; e, em particular, a riqueza de sua propiciação, no âmbito do trabalho psicológico e psicoterápico, como metodologia hábil no propiciamento da atualização de possibilidades por parte do cliente.

Importante notar, que a atuação do terapeuta e do psicólogo, no âmbito inter humano de sua relação com o cliente, e com o grupo, é, alinhada com esta concepção metodológica, igualmente, estésica, estética, experimental, e performática; dramática (ativa), poiética (fenomenativa existencialmente generativa). Isto significa que não é teórica, não é reflexiva, não é moralista, não é científica, não é técnica, não é comportamental.

Ou seja, da mesma forma que a Gestalt Terapia preconiza e propõe, para o cliente, a oportunidade pontual e regular, e o desenvolvimento da habitualidade, do estilo existencial de uma estética performática experimental – estética performática esta de sua atualidade, de suas questões, e dos elementos de sua crise existencial — ela propõe esta mesma estética performática fenomenológico existencial experimental, como logos metódico, para a ato ação do psicoterapeuta e para a ato ação do psicólogo.

De modo que é extremamente interessante, para o esclarecimento de concepção e método da Gestalt Terapia, em Psicologia e Psicoterapia, a compreensão dos sentidos particulares, valores e interesses, do modo de ser desta estética performática experimental da existência, e de sua ato ação, atualização.

O logos metódico da Gestalt Terapia – com o qual ela contribui – é, assim, o logos de uma estética existencial experimental e, especificamente, o logos metódico de sua vivência performática – vivência fenomenológico existencial, fenomenativo existencial — per-form-ativa.

A performance é o modo de ser, fenomenológico existencial experimental, especificamente ativo e poiético, da vivência. Através do qual se dá a atualização fenomenoativa do possível, enquanto tal, como fenômeno existencialmente vivido. Esse processo generativo no ser-no-mundo configura o que chamamos de poiese.

De modo que, nem teórica, nem prática – nem técnica, nem comportamental, nem objetivista –, nem científica, nem moralista, muito menos realista –, a metodologia da Gestalt Terapia é, especifica e eminentemente, estésica, uma este(sia)ética, experimental, performática, e poiética.

Nietzsche diria, física, em contra/posição a quaisquer das possibilidades abstratas da meta-física. Física, vivencial e vividamente vivida; é, assim, a performance.

Na performance assim (entendida do ponto de vista fenomenológico e existencial), naturalmente, o possível, a possibilidade, enquanto tais, vivencialmente transitam — pela ação — de uma condição de pré-compreensão, compreensão, interpretação1 e objetivação. Concluindo-se, assim, fechando-se, como o per-feito, no processo da performação, do perfazimento, da perfeição (a gestalt).

PER

O prefixo per significa: cabalmente através de, plenamente através de. Enquanto que feição, do Latim, significa ‘fazer inteiramente, acabar, terminar, perfazer; fabricar (com arte)2.

A “forma”, num sentido fenomenológico existencial, refere-se às formas do vivido. De modo que temos, do ponto de vista fenomenológico existencial, a performance, a performação, especificamente per-feição, perfazimento, como designação do processo da vivência fenomenal, no qual a forma se constitui, como processamento pré-compreensivo, a partir da força do possível fenomenalmente vivido; e se configura como tal, como atualização compreensiva; meramente compreensiva, e/ou mais ou menos inter humana, e/ou mais ou menos objetivativa.

Especificamente, o im-per-feito é o inconcluso. O inacabado, o incompleto. O mal executado; e, portanto, feito incorretamente; defeituoso, malfeito, incorreto3. Cujo ciclo (digamos) da per-feição, o ciclo de sua performance, de sua per-formação, de seu completo perfazimento, do perfazimento de sua totalidade, não se concluiu, não se fechou. O imperfeito, é a performance, a performação, a perfeição, o processo de formação figura-fundo, encalacrados. Inter-rompidos, inacabados, mal acabados, abertos.

Ah, a frustração e a queixa da mulher quando o homem não quer e/ou não sabe esperar; e o abraço e o beijo encadeados e conclusivos da inter humana dialógica da per-feição.

PERFEITOS E PERFEIÇÃO TEÓRICOS?

Freqüentemente, os sentidos de perfeito, de perfeição, obedecem a critérios abstratos de avaliação, critérios alienados do físico processo de sua per-feição, processo vivencial de elaboração fenomenológico, fenomenativa, existencial. Podemos, ter, assim, abstratos, o “perfeito”, a “perfeição” meta-físicos… Não vivenciados, mas abstrações, exatamente, do processamento da vivência de sua perfeição, de seu perfazimento, de sua per-formação.

Uma contradição em termos, naturalmente. Porque o que caracteriza o perfeito é, exatamente, a vivência do processamento de sua elaboração fenomenológico existencial, o seu perfazimento como vivência, o processo de seu perfazimento, como vivência física, corpo-ativa.

Mas podemos pensar, assim, e muito vigora, o “perfeito” meta-físico. De uma “estética” que, curiosamente, não é estésica! Mas, mais própria e especificamente, é conceitual e abstrata; e que, por isso mesmo, especificamente, não é estética. É moral e moralista.

O perfeito metafísico se constitui como adequação ótima de algo a um seu modelo teórico; ou, mais especificamente, a um seu conceito. Um “perfeito” teórico, que nada tem de vivencial, de vivenciado. Mais que isso, um “perfeito teórico, especificamente como afastamento da vivência fenomenal de ser-no-mundo, um “perfeito” teórico que nada tem da experienciação do‘perfazer’, da processualidade vivencial do ‘fazimento’ (perfazimento, performance, performação), vivido. Que nada tem de ‘feitura’, como encadeamento de atu(aliz)ação vivida de possibilidade, como possibilitação. Mas que se constitui de comparação e de avaliação, teóricas, de adequação, do fato ao conceito4, comparação e avaliação abstraídas, e especificamente afastadas, alienadas, da vivência.

PERFORMANCE ESTÉTICA

Naturalmente, na concepção e metodologia da Gestalt Terapia, e em psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial, não se trata deste tipo de “estética” teórica e conceitual, abstrata, meta-física; na verdade, estática. Trata-se, de fato, da estética, que podemos dizer, redundantemente, da própria estesia da vivência do perfazimento: estética da própria estesia da vivência do perfazimento. Assim, podemos conceber o perfeito como processo e resultante da própria vivência experimental, fenomenológico existencial hermenêutica, processamento encarnado, da per-feição; não meta-físicos, mas físicos. O feito, per-feito, resultante do processo – da travessia fenomenativa — da per-feição .

E, mais uma vez, como diria o Riobaldo Tartarana (aliás, per-feito por Guimarães Rosa), a verdade, a per-feição, não se põe nem no início nem na chegada, mas na travessia

Na travessia…

Este o sentido deste “per”, que está em per-feito, em per-feição, em
per-formance, em per-formação em per-fazimento. Perfeição de …

Travessia vivencial da feição, a per-feição é, especificamente, o perfazimento, a per-formação, a performance, num sentido de processualidade primária e eminentemente vivencial, fenomenal.

Performance que é sempre dialógica, na medida em que é toda ela e sempre dialógica do possível e de sua possibilitação. Performance que é freqüentemente inter humana. Performance que pode, meramente, ser, como mencionamos, o desdobramento (“subjetivo”) de uma compreensão, na performação compreensiva (atualização compreensiva) (a “caída da ficha”…) E/ou que pode ser mais ou menos performação, perfazimento, objetivativo. Este mesmo, mais, ou menos, organismicamente compreensivo; mais ou menos voluntário ou espontaneamente expressivo, mais ou menos motor, ou sensível, mais ou menos objetivativo. Ainda que, sempre, na ótica da expressividade sentida e vivida, e caracteristicamente desproposital.

De parte de um sujeito?

Em seu momento próprio, não exatamente. Pelo menos no que interessa, e é vital.

Na medida em que, fenomenal, o processo da performance se desenvolve como vivência espontânea de desdobramento de possibilidade. Que, como tal, é vivido e vivencial, fenomenal, fenomenativo. E não é, assim, da ordem das relações sujeito-objeto. Da mesma forma que não é da ordem das relações de causa e efeito, que não é da ordem do útil e da utilidade; que — como possível pré-compreendido e possibilitação — não é, mesmo, naturalmente, da ordem da realidade.

Similarmente, como observamos, o processo vivencial da performance, não é da ordem da teoria, não é da ordem da prática, nem da ordem do comportamental; não é da ordem do científico, muito menos da ordem do técnico. Não é da ordem do explicativo. É, especificamente, da ordem do compreensivo, da ordem do dialógico, e potencialmente da ordem da dialógica compreensão inter humana. É da ordem do poiético, do hermenêutico. Que, atu(aliz)ação de possibilidade, transita, como vivência, de pré-compreensão de possibilidade, para a sua possibilitação. Em seu característico, e próprio, despropósito poiético.

Estamos, assim, bastante distantes do “perfeito”, e de uma “estética”, meta-físicos, estabelecidos por comparação, teoricamente, abstratamente (abstraídos, justamente, do processo vivido da per-feição).

Precisamos, assim, em Gestalt Terapia, em psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial, desta compreensão do que é o perfeito, a performação, a performance fenomenológico existencial experimental. A compreensão do caráter eminentemente vivido, pré-reflevivo, pré-conceitual, intuitivo, fenomenal, hermenêutico, fenomenológico existencial, experimental, ativo, per-form-ativo (poiético)(de travessia da vivência da duração), do processo de sua feição, per-feição; especificamente física, corpo-ativa, estésica, est-ética…

Ou seja, precisamos da compreensão do quanto este processo ativo — mais ou menos compreensivo/intuitivo, mais ou menos espontâneo/voluntário, mais ou menos compreensivo ou motor (o próprio “caminho do meio”) –, o quanto este processo é, em seu momento e movimentação próprios, especificamente, vivência corporal, vivência corpoativa, sentidos, sentidação. Estésico, assim, neste sentido (vivência configurativa das sensações, como totalidades compreensivas específicas, e especificamente diferentes da soma de suas partes, sensibilidade, capacidade de perceber o sentimento da beleza).5 Propiciado por uma est(esia)-ética. Por uma Estética. Que é um modo de proceder (uma ética), uma atitude de ação, que privilegia o, fenomenal, o ponto de vista estésico. O ponto de vista, fenomenológico existencial, da sensibilidade, da vivência, da capacidade de engendrar e vivenciar o belo, o perfeito.

Deste modo, a vivência gestáltica, o logos metódico da Gestalt Terapia, e da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial, além de se caracterizar como sendo fenomenológico existencial experimental, é, por isso mesmo, uma metodologia estética e performática experimental. O interesse metódico em Gestalt Terapia é o da experiência experimental da vivência estésica da per-feição, no estésico engendramento próprio do perfeito, e na vivência e apreciação estésicas de sua perfeição. Uma estética, como processo hermenêutico de atualização de possibilidades, no âmbito da atualidade e atualização existencial do cliente. Uma estética como procedimento metódico do terapeuta/psicólogo.

Estética como atualização meramente compreensiva, muito freqüentemente. Ou estética como atualização objetivativa. não importa. O que importa é a natureza per-form-ática experimental da sua experiência. E o desenvolvimento do ponto de vista estético, como critério existencial. Ao mesmo tempo que o desenvolvimento de um estilo existencial performático experimental, vigoroso, robusto, e sensível, no eterno e incontornável processo existencial de atualização de possibilidades, no humano ser-no-mundo. Processo que do possível e do próprio mundo se nutre, no enfrentamento com, e no afrontamento criativo do mundo e da vida coisificados; e no afrontamento e enfrentamento criativos da fatalidade da própria coisidade e da própria coisificação da realidade realizada, fatalizada.

O EXPRESSIONISMO E O LOGOS METÓDICO ESTÉTICO PERFORMÁTICO DA GESTALT TERAPIA E DA PSICOLOGIA E PSICOTERAPIA FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAL

Histórica e paradigmaticamente, não é certamente difícil acompanhar a linha constitutiva deste caráter fundamental da concepção e método da Gestalt Terapia e da psicologia e psicotrerapia fenomenológico existencial.

De um modo mais imediato, este caráter performático advém, de modo fundamental, do caráter performático do Expressionismo. Que, seminalmente, influenciou o desenvolvimento da concepção e método da Gestalt Terapia.

Num segundo momento (ou primeiro), a influência vem do perspectivismo nietzscheano, que já é fonte do perspectivismo, e do caráter performático do Expressionismo, enquanto movimento das artes européias da segunda metade do século XIX, e primeira metade do século XX.

Pois bem, a experiência com teatro, em especial com o teatro de Max Reinhardt, que desde os quatorze anos de idade é experiência fundamental na vida de Fritz Perls, e no desenvolvimento da Gestalt Terapia; a experiência de Laura Perls com teatro e com expressão corporal, igualmente importantes, no desenvolvimento da formulação conceitual e metodológica da Gestalt Terapia, são experiências com artes cênicas e expressivas, de natureza e filiação especificamente Expressionistas. São experiência que profundamente marcarão o caráter do paradigma conceitual e metodológico da Gestalt Terapia.

O Expressionismo6 surgiu, nos finais do Século XIX, como um imenso, vigoroso e essencial afrontamento à hegemonia do Positivismo, do objetivismo científico, da ciência, da objetividade, do princípio de realidade, e da própria realidade.

Sinalizava o que viria a ser indicado, depois, pela fenomenologia existencial, pela filosofia da existenz, e pelo existencialismo. Ou seja, que, fora, e distanciados, desse modo de sermos que é a experiência fenomenal, fenomenológica e fenomenativa do vivido (que não é da ordem do conceitual e do teórico; que não é da ordem da objetividade, nem da ordem da subjetividade, nem mesmo da intersubjetividade: porque não é da dimensão da dicotomia sujeito-objeto; que não é da ordem da dimensão da vivência das causas e dos efeitos, dos meios e dos fins; que não é da ordem da utilidade, portanto; nem da ordem da realidade, na medida em que é, antes, essencialmente prenhe de possíveis não realizados), distanciados deste modo de sermos da vivência fenomenal, eminentemente experimentativa, estamos exilados do que nos é ontologicamente mais essencial.

A Experiência fenomenal do vivido não se movimenta no âmbito da explicação, da teoria e da conceituação; também não se movimenta no eixo das causas e dos efeitos, da causalidade. Não é da ordem da utilidade, ainda que dela brotem todos os úteis e as suas utilidades, mesmo que dela provenha a objetividade do mundo. Sobretudo, é experiência que não é da ordem da realidade (no sentido objetivo do termo), na medida em que não é da dimensão da objetividade; e é, muito mais, impregnada de possível e de ação possibilitativa, do que de real.

Pois bem, fora e distanciados dessa insólita experiência fenomenal e fenomenativa do vivido, sinalizava o Expressionismo estamos exilados. O mundo, enquanto realidade objetivada não é a casa do homem, como diria Heidegger.

Num momento em que o mundo e a vida coisificados avizinhavam absurdos e terrores nunca imaginados, a vivência fenomenativa humana reivindicava expressão, em seus próprios termos. E veio o Expressionismo, representado, naquele momento, pelo pavor do Grito, de Munch.

O Expressionismo reivindicava, então, expressão e lugar para este modo de sermos que é o vivido, o fenomenal, o existencial; potente e possibilitativo, poiético. Mesmo, e em particular, contra a estranha sensação de absurdidade, por não ser esta dimensão essencial do humano e do mundo, da ordem das relações sujeito-objeto, da ordem das relações de causa e feito, da ordem da utilidade, nem mesmo da ordem da realidade.

O Expressionismo7 surge, então, como um estilo, artístico.Mas, na verdade, com muito mais amplas implicações; implicações em particular culturais, e especificamente existenciais. Um estilo artístico e existencial, que intenta centrar-se na, e concentrar, a experiência dita subjetiva: a experiência fenomenal, fenomenológica e fenomenativa do vivido.

De modo que, centrada, e própria, e otimamente, concentrada, possa esta experiência manifestar-se potente, fluída, expressiva, e integralmente; como ato expressivo, como performance, per-form-ação. A performance que configura a obra de arte, ou o desempenho artístico, como per-feição, como per-feito; se transita, plena e fluidamente, pelo ciclo de sua complementação, ciclo de sua per-feição, de seu perfazimento, na expressão, ato(aliz)ação, mais ou menos compreensiva, e sempre fenomenativa; mais ou menos objetivativa, da forma de um possível, que se atualiza em sua per-feição.

A experiência do vivido podendo concentrar-se como uma mola, ou como a musculatura de uma pantera no prenúncio do bote; e botando, atu(aliz)ando o bote expressivo, na performance.

Assim nasceu, e atualizou-se, uma Isadora Duncan, e sua dança expressionista; a arte dos pintores expressionistas, dos escultores, do teatro expressionista, do cinema expressionista (uma idéia na cabeça, e uma câmera na mão…), da arquitetura expressionista, da pedagogia expressionista… da Gestalt e da Gestalt Terapia…

Sempre, o artista expressionista é um artista performático, neste sentido. Não apenas nas artes cênicas, como no teatro e na dança, por exemplo. Nas artes plásticas, os escultores e os pintores são, igualmente, performáticos expressionistas. Concentrando artística e sensivelmente a vivência fenomenativa de sua inspiração, como a musculatura de uma pantera armando e presentificando o seu bote, e botando, na conformação performática, no perfazimento, de um per-feito artístico, como obra de arte. Assim, mesmo um pintor ou um escultor expressionista é performático.

Num sentido radical8, são eminente, própria, e especificamente, estésicos e
est-éticos, os performáticos expressionistas. Centram-se, e buscam adensar, a vivência fenomenal, a sensibilidade, corpo, vivido, sentidos, na vivência da configuração de seus possíveis, e de suas possibilitações; e investem-se estésicamente, o que quer dizer esteticamente, na performação vividamente vivida, e expressiva, de um per-feito como feito artístico.

A beleza e a magnanimidade, a incomensurabilidade, fascinação, graça e mistério, deste feito, a sua perfeição, advêm do processo próprio de sua feitura – específica e propriamente per-feitura. Que, essencialmente, permite e configura-se como a atualização per-feita, em sua formação e ex-pressão (ex-pulsão) plenas, de um possível; na estesia do processo de sua per/feição.

Toda a sua guiação, portanto, a guiação da perfeição e da performance, é, eminentemente, estésica; especificamente estética. A aquiescência na estética, e a vivência estésica e pré-compreensiva de uma configuração de possíveis. E a estética, e a estesia, de sua atu-ação, mais ou menos compreensiva, ou mesmo no lusco-fusco organísmico da compreensão; mais ou menos objetivativa, mais ou menos motora, mais ou menos voluntária/espontânea, mais ou menos interhumanamente inter-ativa.

A estética e a estesia de dar à luz, como feito, como perfeito – e bendito, vale dizer – algo de absolutamente singular, novo, criativo, original e belo, em sua acabada per-feição.

A vivência estética, estésica, do sentimento de beleza advém da estesia de ser-se e exercer-se à imagem e semelhança de Deus, ou de ser-se e exercer-se divino, no processo da perfeição criativa.

VIGOR, BRILHO, INTENSIDADE, FASCINAÇÃO, UNIDADE, GRAÇA

Todo este processo de feição, de perfeição, perfazimento, é, enquanto processo vivido — vividamente vivido –, processo de formação de figura e fundo. Como indicou Perls9, este processo de formação de figura e fundo tem, é, em si, a fonte da avaliação e do valor. E tem características, fenomenológico existencialmente vividas, intrínsecas e peculiares, tais como vigor, brilho, intensidade, fascinação, unidade, graça

Tais características estéticas fenomenologicamente intrínsecas ao processo de formação de figura e fundo decorrem especificamente da qualidade estésica, estética, vivencial, do processo da performance, do processo da perfeição. Que é propiciado, vivido, concluído, e avaliado, esteticamente, o que quer dizer estesicamente.

São características do processo de formação figura-fundo performático que se perdem na imperfeição: ou seja na im-per-formação. Quando a per-formação, a performance, é interrompida em sua per-feição, e resta o per-feito inconcluso, inacabado. Específica, e propriamente, imperfeito, encalacrado e interrompido, aprisionado, no processo de sua per-feição.

PERFORMANCE E A POSSIBILIDADE DO DESEMPENHO HISTÉRICO. A VIRTUALIDADE É A DOENÇA.

De um modo curioso, podem ser aparentemente próximas, ainda que decididamente inconfundíveis, a performance e a histeria.

E, a bem da verdade, o próprio Expressionismo chegou a ser acometido em certos momentos pela confusão, e pela ameaça do desempenho histérico. Que meramente simula a performance; na sua insensibilidade, e impotência, para a vivência da perfeição, e para a oferta ao mundo de algo perfeito a partir de possíveis.

A própria Gestalt Terapia, e mesmo a sua cultura, já foram afetadas pelo mal entendido. Talvez o seja menos, hoje. O risco, aliás, é corrente, na medida em que a confusão entre performance e desempenho histérico grassa, panepidemicamente, na cultura da modernidade. Certamente como uma aversão ao possível e à possibilitação, e em conseqüência de seus investimentos radicais na mímesis, na imitação e na simulação, na cultura do espetáculo e do parecer.

Creio que a advertência com relação à possibilidade da confusão entre performance e desempenho histérico já é feita no I Ching10, no Hexagrama 61. Que é representado pela pata de uma ave sobre um ovo, a chocá-lo.

Se o ovo estiver efetivamente choco, fecundado, e contiver um embrião, o choco (o ato de chocar) chegará a termo, na geração de um pintinho.

Mas, se o ovo não estiver fecundado, por mais que a ave o choque, dele não resultará um pintinho…

Suprema metáfora da ação… A ação que decorre de uma “verdade interior”, ou seja, que está em si emprenhada, impregnada, de possível, é como o desempenho, a performação, perfazimento, de um ovo fecundado. Em seu momento oportuno, dará à luz o fruto perfeito de sua novidade.

A ação que não decorre de uma verdade interior, que não se enraíza num possível e em sua atualização, não gerará frutos nem novidade, e será estéril.

O “embrião” da perfeição, e do que especificamente podemos entender como ação, como ato, como fruto e novidade – diferentemente do desempenho histérico — é a impregnação estésica e estética pelo possível, e a sua performação, perfeição, em um per-feito.

Simulação, o desempenho histérico, não está fecundado por este “embrião”, pela vivência fenomenal do possível; e pela disposição para a perfeição, para a performance, por ele alimentada e potencializada, no engendramento de um per-feito. Infenso e hostil ao possível e a sua possibilitação, infenso e hostil à novidade, à criação, à mudança, o desempenho histérico fecha-se para eles, e é comportamento estéril. Mera virtualidade.

E esta virtualidade — que se impermeabiliza para o possível, reprimindo-o, quando poderia atualizá-lo, em sua urgência e emergência, no processamento de sua perfeição –, é a doença propriamente moderna, insidiosa e panepidêmica.

Prestemos atenção, pois, a virtualidade é a doença.

Nada mais distinto, portanto do que performance estética e desempenho histérico

[]

PERFORMANCE E SENTIDO DO TRÁGICO

Uma última consideração, importante.

A de que a vivência do possível e de sua atualização na per-feição, a performance, de um perfeito, demanda eminentemente como condição a estética e a estesia do sentido trágico, tal como Nietzsche o recuperou dos Gregos antigos.

Atualização de possibilidades, eminentemente, a vivência estésica do possível, esteticamente propiciada, demanda e configura a superação da medida do estabelecido como tal, em sua individualidade; e a sua superação.

Na performance, e em decorrência da performance, nada será como antes. O preposto, e suposto, sujeito, estabelecido ao nível da realidade coisificada, desmesura-se de sua individualidade e de seu tempo próprio. Na vivência de um modo de ser que não mais comporta a dicotomia sujeito-objeto, pelo menos até o fim do processo da perfeição. Jamais será o mesmo preposto. Mudam as suas condições e o seu mundo objetivado, muda ele próprio, no engedramento da novidade do possível perfeito.

De modo que a vivência da performance, o engendramento do perfeito, na atualização do possível, determinam sempre finitudes. O sentido do trágico é exatamente a vivência compreensiva dessas finitudes, e a afirmação delas, como afirmação estética do possível e de suas forças formativas, da perfeição, da performance.

Sempre a alternativa entre a identificação com o que se fina, e declina na coisidade; ou a identificação com o incerto e aventuresco mergulho no possível e na possibilitação, como per-formação, como per-feição, dele decorrente; a identificação com a vivência estética da beleza e do belo na perfeição e no perfeito, per-formado.

Para o sentido do trágico, desde sempre e sempre, esta identificação com a vivência da potência do possível para a per-feição; a opção inquestionada pela identificação com o vigor, brilho, intensidade, fascinação, unidade, graça da perfeição e dos per-feitos

PERFORMANCE, ARTE MONÓLOGO E AMÚSICA DO ESQUECIMENTO. TOMADA DE INCONSCIÊNCIA, E DRIBLE DE CORPO NA CONSCIÊNCIA.

Em contraposição ao desempenho histérico, simulado, e dissimulado, da virtualidade, a performance, a perfeição, tem tudo da integração da arte monólogo, que se diferencia da arte diante de testemunhas, de que fala Nietzsche11, no aforismo 367 de A Gaya Ciência. Uma arte, a arte monólogo, em que o ator é todo ação, DRAMA. Arte monólogo eminentemene dialógica, ativa, fenomenoativa, experimental e poiética. Sem a possibilidade de que o ator em sua integração como tal possa configurar-se subsidiariamente como um observador de si mesmo, enquanto re-primiria a força do possível, e a sublimaria…

Tudo o que se pensa, escreve, pinta, compõe, ou seja, tudo o que se esculpe e constrói, revela ou da arte monólogo ou da arte diante de testemunhas. (…) Não conheço ópticas mais separadas do que a do artista que observa a elaboração de sua obra (quer dizer, se observa a ele próprio) com o olhar de uma testemunha; e a do artista ‘que esquece o mundo’: este esquecimento é a essência de qualquer arte monólogo; a arte monólogo assenta no esquecimento, a arte monólogo é a música do esquecimento.”“.

A característica do esquecimento é essencial à performance estética, e tema caro à filosofia da vida de Nietzsche. Isto porque, o que muito nos interessa, o processo da perfeição, a performance, em sua concentração fenomenativa, caracteristicamente instaura um esquecimento, é momentum de esquecimento. De modo que o esquecimento é mesmo uma condição específica de sua momentaneidade.

Nietzsche investe, a marteladas, contra a supervalorização da consciência. Um erro a supervalorização da consciência, diria ele, supervalorização que é da ordem do reativo, e não do ativo. A supervalorização da consciência constitui-se em supervalorização da memória, e supervalorização da história.

No âmbito desta supervalorização, proscrita a possibilidade do modo de ser do esquecimento, fenece miseravelmente a potência do modo de ser possível, e da possibilidade da performance estética que ela pode engendrar.

No sentido da garantia das condições da vivência perspectivativa, estética, performática, do possível, e de sua possibilitação, Nietzsche12 dirá:

(…) De fato, está mais do que no tempo de avançar contra os descaminhos do sentido histórico…

O homem teria de ler (na história) assim como Goethe aconselha que se leia o Werther: como se ela clamasse, ‘sê um homem e não me sigas!’13

Mais importante do que seguir a história é performá-la. E condição essencial da performance, do momento propriamente performático, é esta estética monólogica, retifica e ativa do esquecimento.

Todo agir requer esquecimento (…) Portanto é possível viver quase sem lembrança, e mesmo viver feliz, como mostra o animal; mas é inteiramente impossível viver sem esquecimento, simplesmente viver. (…) há um grau de insônia, de ruminação, de sentido histórico, no qual o vivente chega a sofrer dano e por fim se arruína, seja ele um homem ou um povo ou uma civilização.14

nas menores como nas maiores felicidades é sempre o mesmo aquilo que faz da felicidade felicidade: o poder esquecer ou, dito mais eruditamente, a faculdade de, enquanto dura a felicidade, sentir a-historicamente.15

E possa ser assim entendida e ponderada minha proposição: ‘a história só pode ser suportada por personalidades fortes, as fracas ele extingue totalmente’.16

Nesses efeitos, a história é o oposto da arte: e somente quando a história suporta ser transformada em obra de arte e, portanto, tornar-se plena forma artística, ela pode, talvez, conservar instintos ou mesmo despertá-los.17

1 v. FONSECA,

2 HOUAISS,

3 HOUAISS,

4 HEIDEGGER, M.

5 HOUAISS,

6 Expressionismo

7 Expressionismo

8 De tomar pela raiz, como diria W. Reich.

9 PERLS,

10 I Ching

11 Nietzsche, F, Gaia Ciência. Lisboa, Guimarães e Cia Editores, 1984. p. 276.

12 NIETZSCHE, F. PENSADORES, p.69.

13 Ibid.

14 op.cit. p 58. Grifo nosso.

15 Ibid.

16 op.cit. p 64.

17 op. cit. p 65.